quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Ano Velho"

"Ano Velho"


Sei que agora deves estar com pressa,
Ano velho, disposto a abandonar
Tudo duma só vez, mas interessa
Ao meu verso um pouco te interrogar:
Por que abrigaste em mim toda esperança,
Por cada dia teu que, por passar,
Imaginava ser magna mudança
Para melhor e além, até passar?
Por que impregnaste a mim de promessas,
A cada hora tua, pra ofertar
Aos meus olhos e ouvidos, todas essas
Festas da ilusão que imperam no amar?
Por que me alimentaste da lembrança,
De minuto a minuto, do pensar
Dos anos que se foram, e que alcança
Vivos vestígios meu peito a pulsar?
Por que infundiste em mim tanta saudade,
De segundo a segundo, de lugar
Pra lugar, com matiz que marca e invade,
Quando amalgama n' alma o que virá?



terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Canto"

"Canto"


Quantas
Contas
Com
Vosco,
Ó
Verso!
Quânticas
Contas
Com
Tantos
Ritmos,
Que
Nem
Conto
A
Vós,
Ó
Metro!
Foi
Quase
Um
Risco!
Nem

Como.
Rimas
Pobres
Que
Riram
De
Rimas
Ricas.
Formas
Fixas,
Formas
Livres,
Quase
Prosa.
Tudo
Em
Notas
Que
Foram
Logo
Ao
Lixo.
Acho
Que
Foi
Isso.
Pronto:
Que
Os
Nós
Da
Voz
Soltem-se,
Nesse
Fim
De
Ano

Gasto,
Que
Jorre
A
Fonte
Do
Forte
Canto
De
Todo
Bardo,
E
Eu
Seja
Mesmo perdoado
Pelo pé quebrado!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Do acaso, quem se vale bem?"

"Do acaso, quem se vale bem?" 


Corajosas aquelas
Que levam porrada na face
E não se calam fácil, 

Não se intimidam, gritam
Alto a brutalidade vista, 
Pra os que ainda não sabem,

Pra os que se veem covardes.
Corajosas aquelas
Que vão adiante, que correm

À porta da Justiça, fortes, 
Feridas, sendo elas.
Belas flores sem pétalas.

Mesmo com hematomas 
À mostra, mesmo com vergonha 
Da mídia e da grã massa, 

Mesmo ouvindo piadas.
Corajosas aquelas 
Que também se calam, que temem 

O inesperado. O mal
Tão íntimo, banal.
Do acaso, quem se vale bem?

Não há lógica em condená-las.
Ninguém por ser mais frágil
Deve assim ser culpado. 

O sociável bicho frívolo.
Ó, não chamem de homem
O desmedido bicho

Que numa mulher bate.

Adriano Nunes: Pelos vãos do meu ser, tão forte e fundo

Pelos vãos do meu ser, tão forte e fundo



Passo noites e dias, dissolvido
Nos poemas que leio, maquinando
Sonhos, sentidos, sons e, mesmo quando
O ler já passou, sinto que lapido

O outro que me sou. Muito que quero
Desse instante de metro e ritmo intensos
Logo se precipita no que penso,
E forja-me em verso, em um amor vero.

Vasto prazer propaga-se em palavras,
Pelos vãos do meu ser, tão forte e fundo,
Quântica finalidade sem fim

Que se funde à vida de tudo e vaza,
Para múltiplo engendrar o meu mundo,
Alegrando o leitor que há em mim.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Aurora"

"Aurora"




O
Soro
Dos
Sonhos.

Aurora!
Agora,
Amor,
Já posso
Fugir.

Meteoro
Sem qualquer
Direção,
Pronto para
Dissipar-se

Na projeção
De algum sentido.
Vasculharei
Feixes de olhares,
Frestas de átimos,

Todos os meus ais,
Tantas nebulosas
De dúvidas, tardes
Dos inalcançáveis
Rascunhos de mim!

Verso que de mim some,
Das sombras e das sobras,
Bem posso despedir-me?
Só a Arte é sublime.
Nela encontro teu nome.



sábado, 27 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Outros quantos somos?" - para Carmen Silvia Presotto

"Outros quantos somos?" - para Carmen Silvia Presotto


Eis que me revelo
Ao saber que amo
Fernando Pessoa
Mais do que qualquer
Um, outra pessoa

(Poderia amá-lo.)

Amo-o tanto, tanto,
Que ouso em mim sê-lo,
Por ser ele mesmo.
E o amor é que é a
Nossa poesia.

(Sol, aqui, no quarto)

Ele a ninguém não
Disse que eu era
Um dos heterônimos,
Guardou-me no peito,
Em seu coração,

(Alegria e átimos!)

Sabia que pronto
Eu sequer estava.
O mito é o nada
Que se fez palavra:
Outros quantos somos?



sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Poética"

"Poética"

Eis que estás em meu mundo, pérola
De sóis, Cinderela que espera
Por um só beijo que lhe dê,
Penélope em proeza imersa,
Rapunzel a ver que o cabelo
Cresce e apenas a si serve,
Esfinge agora a enganar Édipo ,
Palavra que não aparece.

Eis que a mim ficar em mim resta,
Medeia entregue à própria guerra,
Circe que não se leva a sério,
Medusa que se fez em pedra,
A afugentar o Cisne Leda,
Ariadne a perder-se em Creta,
Ceres a abdicar dos mistérios,
Poeta preso ao primo verso.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Natal"

"Natal"


Assim foram meus dias de Natal:
Em alguma emergência de hospital,
Atendendo doentes, os que mal
Estavam, os tantos sem um Natal.
Às vezes, tempo à frente, quase igual,
No exercício da ação policial,
A garantir a paz plena, local.
Como vários amigos, sem Natal.
E entre o médico e o policial,
Um outro vinga em mim e é total -
O poeta, que dos prantos o aval
Teve pra agora cantar seu Natal.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Co' os riscos da Poesia" - Para a minha amada mãe

"Co' os riscos da Poesia" - Para a minha amada mãe



Quantas noites veio a mim
A Poesia alegrar-me!
Vingava a varar-me a carne
Do sonho, com seus alardes
De oximoros e metáforas,
Com as setas do sem-fim. 

Quânticas as madrugadas,
Quando eu a esperar por ritmos
E rimas, ia bem mais tarde
Ao deus Morfeu entregar-me,
Embriagado de inícios
Infindos, dos meus rabiscos.

Quase me dei por vencido,
No primo verso que fiz.
Quem a fundo mesmo sabe
Verter o que arde em Arte?
De Erato era aprendiz,
Um incansável menino

Que só ser feliz queria,
Co' os  riscos da Poesia.

Adriano Nunes: "Portento é a Poesia"

"Portento é a Poesia"


Basta um curto olhar e já
Há motivo pra porrada.
Basta um gesto, uma palavra,

Para disparar-se a arma.
Basta a bosta duma cláusula
Exclusiva pra matar

Quem na regra não se enquadra.
Basta a fala imaginar
Pra que haja intolerância e

Discordância, pelas várias
Interpretações que emanam
De seus registros, relatos.

Basta a brasa da bravata
Para acabar com a parte
Contrária, em nome do ato

Que precisa ser honrado.
Basta a briga pelo palco
Do poder para o barraco

De raiva estar consumado.
Basta quem um riso ganhe,
Quem atenção logo chame,

Pra o vírus ver do vexame,
Da inveja, da vã vaidade.
Tudo sangra, tudo esvai-se.

Basta uma vírgula, e a paz,
Repentinamente, jaz.
Desde Homero se sabia:

Portento é a Poesia!



domingo, 21 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "É a alegria!" - Para Antonio Carlos Secchin

"É a alegria!" - Para Antonio Carlos Secchin


Estando com
Minhas manias,
Minhas maneiras,
Minhas mazelas,
Minhas misérias,
Os meus martírios,
Eis que, perante
A folha em branco
- O cosmo quântico -,
Vem reluzindo
Um ato e em tudo
Provoca espanto:
A Poesia
- Contra os martírios,
Contra as misérias,
Contra as mazelas,
Contra as maneiras,
Contra as manias -
É a alegria!

Adriano Nunes: "Natal"

"Natal"


Há os que precisam de mais
Há os que precisam de modos
Há os que precisam de mundos
Há os que precisam de meios
Há os que precisam de mães
Há os que estão a fim de truques
Há os que precisam de máscaras
Há os que precisam de máximas
Há os que precisam de músculos
Há os que precisam de músicas
Há os que precisam de médicos
Há os que estão a fim de tudo
Há os que precisam de mitos
Há os que precisam de metas
Há os que precisam de malas
Há os que precisam de macas
Há os que precisam de muros
Há os que estão a fim de trunfos
Há os que precisam de máquinas
Há os que precisam de métodos
Há os que precisam de múltiplos
Há os que precisam de mágicas
Há os que precisam de méritos
Há os que estão sem fim em turba
Há os que precisam de mestres
Há os que precisam de miras
Há os que precisam de mísseis
Há os que precisam de mãos
Há os que precisam de mamas
Há os que estão sim a seus turnos
Há os que precisam de modas
Há os que precisam de mares
Há os que precisam de mídias
Há os que precisam de mapas
Há os que precisam de menos
Há os que estão no fim do túnel

A esperar pela Poesia
Que plena os iluminaria.


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: " A C O N T E C I M E N T O S"

"A C O N T E C I M E N T O S"




C I C E R O E O S E R
C I C E R O E O S E M
C I C E R O E O S M A
C I C E R O E O M A R
C I C E R O E M A R I
C I C E R O M A R I N
C I C E R M A R I N A
C I C E M A R I N A E
C I C M A R I N A E O
C I M A R I N A E O S
C M A R I N A E O S O
M A R I N A E O S O M


Adriano Nunes: "Até que composto esteja o canto" - para Alberto Lins Caldas

"Até que composto esteja o canto" - para Alberto Lins Caldas


Eis que subitamente me assalta
No quarto, no trabalho, na praça,
A qualquer custo, em qualquer instante,
Para provar-me que é importante.
Pôs-me um outro soneto a inventar,
Pois do meu ser já fez o seu lar.
Não mede esforço algum para tanto,
Até que composto esteja o canto.
Assombra-me e alegra-me, refaz-me,
A cada ritmo, espírito e carne.
Depois, deixa-me a sós co' as sinapses
Que, desatentas, podem, é claro,
Lesar os versos, ao primo passo,
Supondo que engendrar Arte é fácil.

Adriano Nunes: "Arte poética"

"Arte poética"


Cercado por signos e sons,
Tantas incertezas estéticas,
Pensamentos que são proteus,
Sentimentos que nem são meus,
Medusas, Medeias, Macondos,
Atlântidas, Ítacas, Tlöns,
Os reinos que se arriscam prontos
Nos sonhos de ingênuo menino
Com um caderno de rabiscos,
Percebo - que sol! - como é bom
Tudo isso, ser um poeta,
Aceitar que de mim me dispo,
Sem entregar ponto preciso,
Porque o inalcançável me espera.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: 'Sísifo"

"Sísifo"


O
O p
O po
O poe
O poem
O poema
O poema i
O poema in
O poema ina
O poema inac
O poema inaca
O poema inacab
O poema inacaba
O poema inacabad
O poema inacabado
A p e d r a a p e d r a
O poema inacabado
O poema inacabad
O poema inacaba
O poema inacab
O poema inaca
O poema inac
O poema ina
O poema in
O poema i
O poema
O poem
O poe
O po
O p
O




Adriano Nunes: "Que engendram este átimo implacável"

"Que engendram este átimo implacável"



Talvez ela gostasse mais da casa
Refeita, alva, o espaço aberto, a vasta
Área pra ter os netos à vontade. 
Mas, agora, bem sei: tudo renasce
De tudo, do pensar que o amor abarca,
Da memória, a manhã tão já marcada
Pela ação da ilusão e pelos laços
Que engendram este átimo implacável,
O vicejar das dálias, todo o impacto
Causado pela falta, a gana gasta
Na tentativa quântica de atar-se
À mágica guinada: perdurar
Para sempre. Quem sabe se abrigasse
Em  algum verso e desse ao olhar um lar.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

"Era entender quase alegria" - para Péricles Cavalcanti


Quando não havia palavra,
Só selva e os primos primatas,
Só o corpo bruto importava.
Quando já se ouviam ruídos,
Só a gritaria alertava.
Qual fora o signo primitivo
Imaginado pelos símios?
Quando não havia grafito
Nem folha, a pedra reinava
Furada, pintada, riscada,
A gruta era a galeria
Da arte que sequer sabia
Que arte viraria um dia,
Imagens de todo o convívio,
A vida visual vingava.
Quando os fenícios, no princípio,
Deram na telha e edificaram
A primeira letra - vertida
Para os negócios do comércio
Marítimo - que rebuliço!
Quando até ler não se sabia,
Era entender quase alegria.
Que palavra: amor, arma, água,
Deus, pai, mãe, sede, fome, casa,
Fora - quem a confirma? - escrita?
Quando não havia papiro,
Mandar mensagem era um risco,
Tudo mudava de sentido,
Não-dito era o dito, e nada
Era certo ao longe, só mito!
Quando não se escrevia carta
Nem havia sequer telégrafo,
Nem telefone ou telegrama,
Sedex, fax, celular, WhatsApp,
Facebook, essas máquinas rápidas
De qualquer mensagem levar
A distantes destinatários,
Só o gesto e o olhar importavam,
Não havia ânsia nem drama,
E o silêncio era sagrado.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Las lágrimas de las máquinas" - para Gilles Deleuze

"Las lágrimas de las máquinas" - para Gilles Deleuze


Él - ¿cuántas veces, cuántas!?
La sonda nasogástrica, 
Cuántas veces máscaras
Y sedantes. Entonces, no se sabe 
Si el alivio o desastre: la marca
De que la vida ha terminado. 
Y las lágrimas de las máquinas,
De los amigos desconsolados.
Y el cansancio como memoria exacta
De la acción precipitada...
Alguien debe leyendo estar,
En este instante,
'La Philosophie Critique de Kant'.
Después, todo se vale!
Después, todo sigue las reglas implacables
De los cotidianos engranajes. 
Luego se va a escribir unas pocas palabras
Acerca de Ítaca, de su llegada.
¿Dónde Poseidón estaba
Que no agitó los mares?



sábado, 13 de dezembro de 2014

Langston Hughes : "Who But The Lord?"

"Quem senão o Senhor?" (tradução de Adriano Nunes)


Eu vi e observei
Esse homem que eles chamam a Lei.
Ele estava descendo
A rua,vindo a mim!
Tive visões na mente
De ser atirado frio e morto,
Ou assassinado então
Pelo Terceiro Escalão.

Eu disse, Ó Senhor, faz-me um bem,
Salva-me desse que a mim vem!
Não o deixes reduzir-me a nada!
Porém o Senhor agiu tarde -
A Lei ergueu sua vara
E bateu vorazmente
Sobre mim!

Agora, não compreendo
Por que Deus não protege a gente
Da brutalidade policial.
Sendo preto e pobre,
Não tive arma pra o contra-ataque -
Quem senão o Senhor
Proteger-me pode?



Langston Hughes : "Who But The Lord?"


I looked and I saw
That man they call the Law.
He was coming
Down the street at me!
I had visions in my head
Of being laid out cold and dead,
Or else murdered
By the Third Degree.

I said, Oh, Lord, if you can,
Save me from that man!
Don’t let him make a pulp out of me!
But the Lord he was not quick.
The Law raised up his stick
And beat the living hell
Out of me!

Now, I do not understand
Why God don’t protect a man
From police brutality.
Being poor and black,
I’ve no weapon to strike back
So who but the Lord
Can protect me?



HUGHES, Langston. "Who But The Lord". In:___. Poetry Magazine. February 1947, p. 249.



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Para que o seu amor em mim eu bem imprima" - para a minha mãe

"Para que o seu amor em mim eu bem imprima" - para a minha mãe


Enquanto leio um livro de filosofia
Grega, observo a velha senhora a sorrir,
Como se alguma alegre lembrança a dis-
Traísse, a alçasse à vida infantil e, assim, livre,

Alcançasse a grã paz, sob os pratos à pia
Que, amontoados, vida em casa evidenciam.
Que dádiva poder vê-la, presença e espírito,
E, com arte, louvá-la com alexandrinos

Versos, quase concretos, se não fosse o rito
Que engendro na minh'alma: sequer saberia
Medir o sentimento pela mamãe minha.

E já não me interessam as filosofias
E as reflexões exatas. Bastam folha e tinta,
Para que o seu amor em mim eu bem imprima.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Poesia é alegria"

"Poesia é alegria"


Bem que Espinosa dizia
Ser o amor uma alegria.
Agora a cantarolar
Fico, por todo lugar,

A escrever a poesia
Que jamais engendraria,
Sem tal magnânimo mar,
Sem que eu estivesse a amar.

Nada, nada valeria -
Bem que Pessoa advertia -
Se pequena a alma. Já
A vingar o verso está,

Quem não o perceberia?
O amor é só poesia,
O que além vai do pensar,
Êxtase extra e exemplar.

Emily Dickinson: "I had no time to Hate"

"Não tive tempo pra odiar" (tradução de Adriano Nunes)


Não tive tempo pra odiar -
Pois a cova a esperar-me estava -
E a vida não era mesmo
Vasta que eu
Pudesse a rixa dar um fim

Nem tive tempo para amar -
Já que
Algum empenho deve ser-
O pequeno labor do amor-
Que achei
Ser demasiado pra mim -



Emily Dickinson: "I had no time to Hate"


I had no time to Hate—
Because The Grave would hinder Me—
And life was not so
Ample I
Could finish—Enmity

Nor had I time to Love—
But since
Some Industry must be—
The little Toil of Love—
I thought
Be large enough for Me—



DICKINSON, Emily.The Complete Poems of Emily Dickinson. Ed. Thomas H. Johnson. (New York: Back Bay Books / Little, Brown and Company, 1961. Print); David Preest. “Emily Dickinson: notes on all her poems.” Emily Dickinson Poems (2012. Web. 18 Nov. 2013).

Adriano Nunes:"Para que a democracia não pereça"

"Para que a democracia não pereça"


Pra que Constituição
Se o desmedido deputado a despreza,
Diante de todos, em plena sessão?
Pra que Direitos Humanos
Se o despótico deputado os desdenha
Sem pena, ante o povo, ano após ano,
Com seus discursos insanos?
Pra que democracia, eleições diretas,
Se tal deputado a ditadura prega e
A Câmara parece a isso estar cega?
Pra que Código de Ética?
Para que Cláusulas Pétreas?
Cadê certa punição
Pra esse que se aproveita da liberdade
De expressão, pra destilar, com tanta raiva, 
Preconceito, sob proveito 
Do privilégio da pressão partidária,
Por saber que pode mesmo dar em nada?
Cadê o probo Congresso
Que, passivo, não demonstra que o decoro
Parlamentar precisa sempre imperar,
Pra que não caia a Casa
Pela falta de respeitabilidade,
Nem se torne a imagem do descaso e outros
Desdéns? Pra que um deputado
Que propaga, pelos mil cantos da alma,
Tantos pensamentos de inquisidor bárbaro?



quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Emily Dickinson: "By homely gift and hindered Words"

"Por parco dom e ditos sem fundo" (traduzido por Adriano Nunes)

"Por parco dom e ditos sem fundo
O peito humano está consciente
Do Nada -
"Nada" é o agente
Que renova o mundo.

Emily Dickinson: "By homely gift and hindered Words"

By homely gift and hindered Words
The human heart is told
Of Nothing—
“Nothing” is the force
That renovates the World—


DICKINSON, Emily. The Collected Poems of Emily Dickinson. Edited by Rachel Wetzsteon. New York: Barnes & Noble classics, 2003.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Pretenso Proteu moderno"

"Pretenso Proteu moderno"



Eis que não basta
A forma humana,
Que não mais calha
Cometer falhas
E a si culpar
Do ato insano.
De concursado
Funcionário 
À Divindade
No vago horário.
Voz sempre alta e
Carteira, à mão, 
Pronta pra dar,
À vista, a marca
Da pretensão.
Hora é capaz
De um ser a mais
Outra é demais 
Ser quem lhe cabe.
As regras são 
As suas, não 
A da usurpada
Repartição.
Os flashes ama
Da mídia prática 
Para ganhar
Num tribunal
Grana legal.
Mas o que ama
Mesmo é sonhar
Que não há nada
Que bem à vontade
Não possa já 
Modificar
Quando propaga
"O senhor sabe 
Com quem está 
Aqui falando?"

sábado, 6 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Na arte de um verso"

"Na arte de um verso"


Perdido poeta,
Na arte de um verso,
Procura, sem pressa,
Ritmo e forma certos,
Palavra que preste
Pra labor imenso.
Migalha de tempos
E restos de métrica
Servem, desde que
O amor possa ser
Visto, mesmo breve.
Se, com um soneto,
Deres, frente a frente,
Pega-o! É urgente!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Que em sermos não nos cabe"

"Que em sermos não nos cabe?"

As pedras.
Os muros.
As muralhas. 
As fortalezas farpadas.
As montanhas tamanhas.
A poça. O buraco. O báratro profundo.
As intempéries.
Tudo que nos persegue.
Os desassossegos.
Os medos.
Os erros. O eterno retorno.
As setas de Eros.
O ébrio ego.
O mundo. O outro
Mundo. O que vai além
Do que aqui possa estar junto.
Viver é tão cedo!
Vencermo-nos é tão tarde!
Que em sermos não nos cabe?
Desertos, disfarces, desejos...
E há entre todos o máximo obstáculo
Que precisa ser sempre ultrapassado:
Nós mesmos.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Este soneto"

"Este soneto"


Urgente! Urgente!
Um verso com (pé?)
Quebrado ritmo
A precisar
De outro marca-
Passo de outro
Miolo métrico
De outro bardo
Mesmo exigente e

Que agora o pense!
Este soneto
Precisa de
Ser diferente
Mas não perfeito.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Adriano Nunes: "Ó manhã, manhã! "

"Ó manhã, manhã! "


Padece o palácio
de Minos ainda.
Aos poucos se vê
o sol a soletrar
do alto o seu átimo,
entre o emaranhado
da grã trama branco-
azulada de
nuvens e o concreto
de egos espertos.
Eis a dada dádiva,
sem que possa ser
sequer plagiada.
Ó manhã, manhã
igual para tantos!
Perante o teu canto
de esperança, aprontam-se,
sós, Dédalo e Ícaro.
Penas, cordas, cera
forjam a artimanha.
Os olhares brilham.
Um reconhecer
mútuo - o entendimento.
Não atentam para
Átropos que, tendo
à mão a tesoura,
com pressa, procura
o fio da vida
daquele que irá
imergir no mar
sem que nada o salve.
Ó manhã, manhã
igual para Ícaros,
Dédalos, que mescla,
com estranha métrica,
dor e liberdade!